Humberto Firmo - Calango do Cerrado

17 de mar. de 2015

A emoção do ideal - José Ingenieros



A emoção do ideal
(Em A moral dos idealistas – José Ingenieros)
Quando colocamos a proa visionária na direção de uma
estrela qualquer e nos voltamos às magnitudes inalcançáveis, no afã
de perfeição e rebeldes à mediocridade, levamos dentro de nós,
nesta viagem, a força misteriosa de um ideal. É um fogo sagrado,
capaz de nos levar às grandes ações. É necessário, todavia, que o
tenhamos sempre sob nossa custódia. Pois, se o deixarmos apagar,
não se acende jamais. Se tal força morrer dentro de nós, ficaremos
simplesmente inertes; não passamos, neste caso, da mais gelada
bazófia humana. Na verdade, apenas vivemos por causa desta partícula
de sonho que colocamos sobre o real. Ela é, com propriedade,
a flor-de-lis de nosso brasão, o penacho de nosso temperamento.
Inumeráveis signos a revelam: aperta-nos a garganta quando
nos recordamos da cicuta imposta a Sócrates, da cruz erguida
por Cristo e da fogueira acesa a Giordano Bruno; abstraímo-nos
no infinito quando lemos um diálogo de Platão, um ensaio de
Montaigne ou um discurso de Helvécio; quando nosso coração
estremece pensando na desigual fortuna destas paixões, nas quais
fomos, alternadamente, o Romeu de tal Julieta e o Werther de tal
Carlota; quando nossos sentidos gelam de emoção ao declamarmos
uma estrofe de Musset, que surpreendentemente rima de acordo
com nosso sentir; quando, finalmente, admiramos a mente preclara
dos gênios, a sublime virtude dos santos, a magna façanha dos he-
róis, inclinamo-nos com igual veneração diante dos criadores da
Verdade ou da Beleza.
Nem todos, é preciso que se diga, extasiam-se diante de
um crepúsculo, sonham frente à aurora ou se arrepiam na eminência
de uma tempestade. Nem tampouco gostam de passear com
Dante, rir com Moliére, tremer com Shakespeare ou assombrar
com Wagner; nem mesmo emudecem diante de David, da Ceia ou
do Partenón. É para poucos essa inquietude de perseguir avidamente
alguma quimera, venerando filósofos, artistas e pensadores
que fundiram em sínteses supremas suas visões do ser e da eternidade,
voando para o além do real. Os seres desta estirpe, cuja
imaginação é povoada de ideais e cujo sentimento polariza em
direção a eles toda a personalidade, formam uma raça distinta dentro
da humanidade: são idealistas.
Definindo nossa própria emoção, poderíamos dizer, com
aqueles que se sentem poetas: o ideal é um gesto do espírito em
direção a alguma perfeição.
(Madrid,1913).

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