Humberto Firmo - Calango do Cerrado
29 de out. de 2013
Mistérios e guardados
A vida é trágica
porém um sanduíche na esquina apetece
seriamente, melhor sorrir
nada melhor que saciar o riso
ou viajar pra bem distante.
a vida é chata
viés e dobras talvez inatingíveis acontecem
melhor, no calor, tomar um banho
refrescar a memória com um suco de graviola
tirar da toca o coelho da infância.
Uma escrivaninha pode ter gavetas...
então, na terceira gaveta mora um sátiro
abra. não tenha medo, é só um salto.
você já sabe que isso vai acontecer
então, coragem, abre a primeira.
Está com medo? bobagem! É só um susto.
viu? a vida é mesmo o que acontece fora das gavetas.
Abre! Abre todas! É só um salto.
Humberto Firmo
Patogênico
Eu não entro em coma
eu sempre estou em coma.
remédios na cabeceira,
na prateleira do banheiro.
minhas doses são sempre pra prevenir
um analgésico me acalma até a noite
eu não estou doente
eu sempre acho que estou doente.
se sinto um sintoma, sintonizo
já me vem a vontade de anestésico
ficar calmo, indolor, me apraz
e fico, depois, tranquilo.
não me chame para ir ao médico
consultórios me apavoram
no hospital me sinto num hospício
a ala B, a ala C, qualquer, me apavora.
já fui internado, já passei por isso
torpe, em macas de rodinhas...
um soro, por favor!
28 de out. de 2013
Mais um poeminha chato...
estes merdas estão chegando sobre nós
e você não percebe
a cada dia a ratoeira está armada
toda noite vejo uma figura sobre nós
e você não percebe
estamos dormindo na calada?
de dia transfiguram-se de gente
e nós nem percebemos
há vulto por trás das cortinas.
a sala urbana, com suas luzes,
está nos afogando em outdoors
mídia óbvia para cegos.
de quando em quando subimos pra respirar
mas o ar é contagiante, cheio de sons
e só ouvimos gritos distantes.
mas hoje a sala está repleta
cheia de gentes como nós:
acéfalos e vertebrados doentes.
quero o escuro, isso abranda meus olhos
melhor fugir, escapulir...
mas pra onde?
Humberto Firmo
27 de out. de 2013
5 de out. de 2013
História pra boi dormir
História pra boi dormir
(Tratado Elementar de Poesia Prática)
Papai, conte uma história para que eu possa dormir
mamãe sempre fazia isso antes de ir embora.
"A vida é um pano rasgado
onde cada remendo tenta infrutiferamente
tapar os buracos que vão aparecendo.
uma colcha de retalhos
um que nasce errado hoje
e se entrega sem pensar aos alvos
esse, um dia se ferirá
e criará erros ainda maiores
restos de fogo e éter contorcem a mente
o cérebro revira-se
tenta reter as sinapses nervosas
mas estanca-se ao tentar reter".
Que história mais triste!
será que mamãe um dia vai voltar?
# Humberto Firmo
(Tratado Elementar de Poesia Prática)
Papai, conte uma história para que eu possa dormir
mamãe sempre fazia isso antes de ir embora.
"A vida é um pano rasgado
onde cada remendo tenta infrutiferamente
tapar os buracos que vão aparecendo.
uma colcha de retalhos
um que nasce errado hoje
e se entrega sem pensar aos alvos
esse, um dia se ferirá
e criará erros ainda maiores
restos de fogo e éter contorcem a mente
o cérebro revira-se
tenta reter as sinapses nervosas
mas estanca-se ao tentar reter".
Que história mais triste!
será que mamãe um dia vai voltar?
# Humberto Firmo
Na biblioteca
Na biblioteca
(Fechada para balanço)
As traças roeram os
livros
Os ratos roeram os
livros
Os livros que foram
roídos:
O Dicionário
Brasileiro ainda cheio de palavras
A Gramática da Língua
Portuguesa
O compêndio para
controlar incêndios.
A Enciclopédia
Nacional
Nas estantes alguns
livros, roídos:
O Manual para Socorrer
Sobreviventes Suicidas
O Tratado Sobre as
Coisas Inúteis
O último exemplar dos
Apontamentos Filosóficos para Loucos.
Do “Axiomas para
Invertebrados” sobraram 4 folhas
Da obra, quase
completa, Historia Inacabada,
Restou apenas meio
volume.
O pergaminho sobre O
Desaparecimento dos Incas
Não foi encontrado.
Metade das Obras
Póstumas do Autor Desconhecido
Estão completamente
indecifráveis.
Ficarão para sempre
anônimas. Todos os volumes.
As cartas escritas pelo
mesmo autor estão todas roídas.
Todas as missivas foram
dadas como perdidas.
Das Memórias Sobre os
Sacos de Batatas,
Escritas em 1820,
restam alguns capítulos.
Os contos e crônicas
datados do século passado
Escritos pelo Visconde
de Mafuá, estão intactos.
Dos Grimórios e das
Invocações
Salvaram-se os tomos I,
IV e X.
Os demais se perderam.
O livro A Quimera das
Gárgulas
Salvou-se por milagre.
O Tratado Elementar de
Poesia Prática
Escrito por Otrebmuh
Omrif, ainda não foi encontrado.
A bíblia do Clã das
Rãs, originária do Tibet,
Não está entre os
livros danificados pelos roedores.
O Compêndio Musical
para Modificar o Tempo”, desapareceu.
Assim como O Manifesto
Para um Cidade Anunciada, também chamado de Manifesto Calango.
As traças e os ratos
acabaram com
A história Fundamental
dos Reinos Encantados e
Uma Nova História da
Civilização Pós-Mamífera.
O Guia para Achados e
Perdidos também foi roído.
Numa estante, quase
vazia, sobrou: Meus Dogmas;
Livro mágico de
memórias do Visconde Sem Lembranças.
Sob o título
sociologia, sobrou o ensaio:
A sociedade e Seus
Vícios Desnecessários.
Também, na mesma
estante, encontra-se
O Manifesto Aberto a
Estupidez Humana” de Bazzo.
E o último exemplar de
“Como vencer na vida usando a necessidade básica”.
Livro de auto-ajuda
para pirados em geral.
O resto, se há restos,
as traças e os ratos
roeram.
Humberto Firmo
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