Humberto Firmo - Calango do Cerrado

23 de jul. de 2012

Balada para Norman Bates

Balada para Norman Bates
( Personagen principal de Psicose - Hitchcock)
 
("A boy's best friend is his mother.")

Mamãe, você já esta dormindo?
deseja mais alguma coisa?
Não meu filho
não quero mais nada
pode ir dormir.
tenha bons sonhos!

Eu conheço pessoas estranhas
e ouço vozes em minha cabeça
meus amigos invisíveis foram embora
pessoas muito estranhas me procuram
e acordo dos piores pesadelos

já me internaram em clinicas de recuperação
outras vezes me mandavam para um reformatório
lá fui esquecido e desprezado
Colocaram-me numa solitária
Jogaram-me em colchões sujos
com cheiros que me causavam náuseas
era uma cama fria
disseram que eu estava doente
e que precisava me curar.
Estava desesperado.

Tinha uma dor que doía por dentro
e eu não conseguia estancar
Jogaram uns trapos sobre meu corpo
e me deram um liquido imundo para beber
outras vezes me colocavam numa sala
e eu era amarrado e não podia fugir
levei choque, sentia frio e fome,
caia e me levantava, pra depois cair de novo
quebrei todos meus dentes e fiquei com uma cicatriz
Mas quase não chorei, só gritava
gritava muito.

Não havia ninguém pra me socorrer
Tremia sozinho no canto da cela
e por lá tinha meus pesadelos
Mas voltei e agora estou aqui
Minha mãe disse que sou muito esquisito
que vivo pelos cantos como um rato assustado
mas eu não me importo
sei que ela cuida de mim

Algumas vezes tenho uma recaída
e minha mente parece que vai explodir
fico confuso, não consigo me concentrar
acho que perdi minha consciência
não consigo me concentrar
mãe! onde está você?

agora ouço aquelas vocês de novo
estou aturdido e confuso
tento me concentrar e me perco
acho que perdi muito tempo por lá
não consigo me concentrar
Mãe! me ajude!

tento rezar mas as palavras não saem
já tenho em minhas mãos uma faca
existe sangue em minhas mãos
estou tremendo novamente e minha cabeça está doendo
mãe, onde está você?

Grito e grito muito
ninguém responde.
Acho que eles vão me levar
já ouço as sirenes lá fora
ouço os gritos daqueles estranhos
e eles estão comigo
ao meu redor eles ficam rindo e gritando
estou perdendo a concentração
acho que eles vão me matar.

Ouço meu nome
eles estão me chamando
tenho de ir brincar
agora estão todos sorrindo ao meu redor
girando, girando, girando
como num carrossel
estão me chamando
agora eu vou brincar.

Dorme mamãe, seu filho está aqui
está com frio?
quer um cobertor?

Humberto Firmo
Julho/2012

Teatro II

TRINTA GATOS E UM CÃO ENVENENADO


Resenha: Humberto Firmo

De tema profundamente psicológico, o que remete às peças teatrais de Nelson Rodrigues no tocante aos  contrastes das personagens, a peça tem uma forte carga dramática levando o espectador, passo a passo, a um desfecho trágico.
 A trama familiar regida pelo fio da suposta loucura da filha, desenvolve-se em cenas de tensão e sombras, a simbologia mítica e onírica desenvolve-se através dos diálogos carregados de mágoas, assombrações, mentiras, memórias e discórdias. O perfil psicológico-mítico das personagens está presente na análise de Freud e o lado assombroso, do pesadelo, remetem às teorias de Jung e sua psicanálise dos sonhos.
 Processos de amor dilacerados e vínculos de existência forçados pela farsa, transformam uma família num quase hospício de convivência, onde o limite entre a loucura e a razão espreita o abismo. Um suicídio involuntário. Cego. O conflito entre o consciente e o inconsciente é latente. Pensamentos são forças malignas (a sombra) causando embaraço e rejeição; destruindo todo e qualquer sentido de entendimento na família.   
 A metáfora “um cão envenenado” relaciona-se com o pai; sustenta toda a trama de ódio, ressentimentos e vinganças. Esse é o ponto central do enredo que mistura os acontecimentos terríveis do passado,  a mazelas pregadas pelo destino no presente e as cartas marcadas do futuro.
 E os gatos? São trinta. Gatas. Como trinta sonhos não sonhados, como trinta sonhos soltos, dispersos pela casa, roçando as pernas da filha, afagando a sua alma dilacerada. Trinta gatas aguardando a hora de parir suas filhas: a escuridão

Teatro

As velhas

resenha: Humberto Firmo

A peça , como num cordel de diálogos, é a representação fiel ao mundo nordestino com suas características peculiares: sofrimento, seca, retirantes, fala expressiva e ritmada tal qual a vida das personagens.
 Ao fundo é como se ouvisse cantorias de viola e histórias contadas por vendedores de folhetos. Uma trilha sonora carregada nas falas cadenciadas.
 A cultura popular evidencia-se no ambiente peculiar nordestino. O sotaque peculiar ao tipo de vida vivida por seus personagens numa região repleta de necessidades e vicissitudes que o destino provê aos seus habitantes fracos corporalmente, devido a mazelas da vida que levam, mas fortes em coragem e determinação pulsante e histórica. ( “Antes de tudo um forte” no dizer de Euclides da cunha em “Os Sertões”).
 Na fala de Mariana : “... Cada pessoa é um poço – e o que elas é fica escondido no porão...” (Cena 5) denota a capacidade racional pragmática do conhecimento psicológico e estrutural de um (mundo) modo de vida nordestino. Ambiente onde as pessoas, por viveram em meio tão desértico de tudo, tendem a conhecer-se a si mesmo e aos outros de um modo simples; porém repleto de conteúdo prático e, ao mesmo tempo, totalizante.
 O drama vivido pelas duas mulheres é o sentido da rivalidade entre o amor e o ódio; entre bem e mal, vida e morte. Num sertão onde preservar a própria vida é a única solução. Como num desafio de viola, Numa tentativa de sobreviver as intempéries e aos sacrifícios adjacentes da terra.
 Como em antigas cantigas de mal dizer e de escárnio, tradição dos tempos medievais, o texto teatral,  num trovadorismo seco, numa paisagem árida, corta a linguagem dos seus falantes também secos e áridos. A voz dos que bradam por respeito, dignidade e por um pouco de paz interior e prosperidade nessa terra do Deus-dará.