Humberto Firmo - Calango do Cerrado

16 de jun. de 2009

Em busca do tempo perdido - O Peso


Conheçam. Esse disco é "o disco" , muito raro.

14 de jun. de 2009

Na agulha.: Let's Get It On <<-- clique aqui p/baixar

Manto da apresentação (à Arthur Bispo do Rosário)

Vou me vestir assim :
cheio de letras
palavras soltas
e números absortos .

Vou pintar sobre o manto :
outras luas , outras estrelas.
Um mundo em mim ;
repleto de universos .

Colocarei sobre o manto
a crise dos deserdados
a loucura dos lúcidos
e a dor dos desesperados .

Vou me apresentar assim :
Vestido de homem
repleto de imagens
feito a minha própria semelhança.

Humberto Firmo

Mimeografando

Ei Erik,
ei Klaus,
ei Marx!

Teu pai tomou um Iogurte com Farinha,
entrou num Grande Circular,
e foi catar Caroço de Goiaba
lá perto da casa da Noélia.

Volta logo.


(Humberto Firmo)

Beirute

Ecléticas figuras
ecumênicos destinos
universal encontros

dentro duma mesma noite
birita
na mesma boca da noite
biruta

seguindo os ventos da cidade:
binária direção.
Seguindo a orientação das quadras
ou bar-balizando entre mesas

Humberto Firmo

Calangos

São um pouco diferentes
São meio pirados como toda gente.

Calangos são da lua
Emitem uivos ao anoitecer.
E vivem nas estepes.
Viram Lobos-Guará.

Calangos adoram um lago,
Subir montanhas, entrar em cachoeiras.
Estão sempre em movimento.

Calangos
Aguardam o próximo circular
Estão entre o 15 e o 20.
Calangos vão ao Beirute
Esticam a noite
Cantam canções de acampamentos.

Calangos
Esticam-se ao sol.

Calangos entendem
a metáfora das tesourinhas.

Calangos viajam pra Pirinópolis
Fazem fogueiras em São Jorge
Calangos vão pra Chapada.
Calangos gostam de trilhas.

Calangos olham pro céu
Sabem que não vai chover.
Calangos, guardam o pôr-do-sol,
Guardam o nascer do sol.

Calangos são Calangos
Virando gente.

Humberto Firmo

Horário de Visitas

Vou até o Hospital de Base
fazer um visita
encontro o residente dormindo de plantão
o corredor ouve meus passos
uma foto na parede me pede silêncio
no pronto-socorro ao lado
alguém geme de dor.

Porta 32
Entro no quarto
você dorme
deixo um bilhete no gesso:
Melhoras!

Humberto Firmo

Cronoscopia

As horas passam
E na crucificação do tempo
Morre de velho
O último desejo.

Crônos, o senhor do século,
Organiza a mazela do destino.
E como um asno a puxar entulhos,
Vai carregando os dias
Na miserabilidade do milênio.

Tempo, tempo, tempo.
Eis a história dos humanos
Que no correr veloz das eras,
Crucificam-se, feito bestas,
Aos ponteiros do relógio.

Humberto Firmo

Drummondiana

Esses 20 por cento de ferro
que me fugiram da alma,
Esses 10 por cento de ferro
que o vento levou das calçadas,

Deixaram-me mais leve;
o suavemente necessário
para não enferrujar

Humberto FIrmo

Isso

Isso não é amor
Isso não é um som
Isso não é uma palavra
Isso não é um conto
Isso não é uma voz
Isso não é um meio
Isso não é o fim
Isso não é o início
Isso ano é uma chaga
Isso não é um pedaço
Isso não está inteiro
Isso não está perfeito
Isso não é perfeição
Isso não é uma cabeça
Isso não é isso
É outra coisa.


Humberto Firmo

Trânsito em Brasília

Antigamente a gente se matava
pulando da Torre de TV

_ colocaram grades na Torre.

Agora, os carros nos matam
e a torre anuncia nossas mortes
na TV.

(Humberto Firmo)

Valeriana

Valéria mora na 104
Valéria está em juventude
Em seus 24 anos, flor do cerrado

Valéria desce o elevador
passa por baixo do bloco
deixando seu perfume flor do cerrado

Valéria as vezes dorme cedo
Dá pra vê-la da janela em frente
Despindo-se de suas folhas

Valéria as vezes acorda tarde
Passa penumbramente pela cortina
Mostrando sua silhueta semi aberta

Valéria é uma copaíba em flor
Uma palmeira indaiá desabrochando
Valéria é bioma: semente, flor e fruto.

Ah! se Valéria fosse minha...

Humberto Firmo

Dacaidos

Aqui não tem poema
aqui não há lirismo
cada faca amolada
proporciona uma sangria.

Se meto a mão onde me cabe
me encontro
se deixo o peito aberto como um alvo
estou pronto.

Aqui não tem folia
aqui não tem leros nem boleros
só esse acorde arcaico
que nos compreende.
Somente essa balada feita à faca
que nos corta a carne.

Aqui já nascemos póstumos e decaídos.

- Humberto Firmo -
Uma balada para despertar serpente.

Acalmar os olhos
Diante da visão dos astros
Acalmar o pensamento
Enquanto quase são idéias

Sustentar o mundo em si

Acalmar os vórtices
Os vícios, o dorsal desejo
Acalmar a língua
Subindo e descendo
Num redemoinho de serpentário.

Entre áspides, formar o desejo.
Meter o dedo , passar a mão
Correr a boca, morder a língua
E no final sangrar por dentro.

Oh! Como acalmar o tempo
Esse inimigo do novo
Quando passa pelo mundo?

(Humberto FIrmo)

Na estante .: No Submundo do Sucesso



Ivan Sergio Santos (Vagabundo Sagrado)

Um amigo e as ruas

Eu tenho um amigo, poeta.
Que gosta de cata-ventos
Que anda comigo pelas ruas da cidade
De corpo curvado e sobrancelhas atentas.

Eu tenho um amigo
Que segue comigo para onde eu vá
Andando por essas ruas da cidade
Adivinhando casas,
Adivinhando portas e janelas.

Eu tenho um amigo, já velhinho
Que percorre comigo as calçadas
Dessas ruas silenciosas da cidade
Admirando quintais,
Admirando cercas e moças nas varandas.

Eu tenho um amigo
Que caminha comigo, lado a lado,
em silêncio
Seguindo por ruas ainda não pisadas
por nossos passos.

(Humberto Firmo)

No meio da tarde

Pelas ruas da cidade
Quero Andar por entre quadras
Contando postes pelo caminho
Retinando meios-fios.

Atravessando calçadas
Passando por baixo de blocos
Soletrando letras:
A,B,C... J,K... L,M...
Enchendo-me de alfabetos.

E na tarde, vadiando, sair pela W3
cantando uma canção do Liga-tripa
na maior vagabundagem.

(Humberto Firmo)

Olho Seco

O riacho agora está seco
Um fio sustenta o corpo
A sede por demais é Vera
E o ardor desejo se agiganta
Uma lembrança de pote e cacimba
Imaginação da fartura que houvera.

A notícia de morte é farta
Por cada canto um corpo cai.
Deita-se pra nunca mais.

Um filete ainda resta
Sustenta o último corpo tombado
E a sede penetra a carne
Secando a última quimera.

O olhar se perde na distância
Mirando um nada, um nada seco que cobre tudo.
Lentamente a visão murcha
A fraqueza sobrepõe a fé
E é nesse momento que se ouve,
do vencido, o último suspiro.

(Humberto Firmo)

Na biblioteca (Humberto Firmo)

As traças roeram os livros
Os ratos roeram os livros

Os livros que foram roídos:
O Dicionário Brasileiro ainda cheio de palavras
A Gramática da Língua Portuguesa
O compêndio para controlar incêndios.
A Enciclopédia Nacional

Nas estantes alguns livros, roídos:
O Manual para Socorrer Sobreviventes Suicidas
O Tratado Sobre as Coisas Inúteis
O último exemplar dos Apontamentos Filosóficos.

Do “Axiomas para Invertebrados” sobraram 4 folhas
Da obra, quase completa, Historia Inacabada,
Restou apenas meio volume.
O pergaminho sobre O Desaparecimento dos Incas
Não foi encontrado.

Metade das Obras Póstumas do Autor Desconhecido
Estão completamente indecifráveis.
Ficarão para sempre anônimas. Todos os volumes.
As cartas escritas pelo mesmo autor estão todas roídas.
Todas as missivas foram dadas como perdidas.

Das Memórias Sobre os Sacos de Batatas,
Escritas em 1820, restam alguns capítulos.
Os contos e crônicas datados do século passado
Escritos pelo Visconde de Mafuá, estão intactos.

Dos Grimorios Religiosos e as Invocações Místicas
Salvaram-se os tomos I, IV e X.
Os demais se perderam.
O livro A Quimera das Gárgulas
Salvou-se por milagre.

O Tratado Elementar de Poesia Prática
Escrito por Otrebmuh Omrif, ainda não foi encontrado.
A bíblia do Clã das Rãs, originária do Tibet,
Não está entre os livros danificados pelos roedores.
Salvou-se por milagre.

As traças e os ratos acabaram com
A história Fundamental dos Reinos Encantados e
Uma Nova História da Civilização Pós-Mamífera.
O Guia para Achados e Perdidos também foi roído.

Numa prateleira, quase vazia, sobrou: Meus Dogmas;
Livro mágico de memórias do Visconde.
Sobrou da estante, sob o título sociologia,
O ensaio: A sociedade e Seus Vícios Desnecessários.

As traças e os ratos roeram o resto
(Humberto Firmo)

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Na estante:

"Pátria" - Guerra Junqueiro

" Um povo imbecilizado e resignado, humilde e macambúzio, fatalista e sonâmbulo, burro de carga, besta de nora, aguentando pauladas, sacosde vergonhas, feixes de misérias, sem uma rebelião, um mostrar de dentes, a energia dum coice, pois que nem já com as orelhas é capaz de sacudir as moscas; um povo em catalepsia ambulante, não se lembrando nem donde vem, nem onde está, nem para onde vai; um povo, enfim, que eu adoro, porque sofre e é bom, e guarda ainda na noite da sua inconsciência como que um lampejo misterioso da alma nacional, - reflexo de astro em silêncio escuro de lagoa morta (...)

Uma burguesia, cívica e politicamente corrupta ate à medula, não descriminando já o bem do mal, sem palavras, sem vergonha, sem carácter, havendo homens que, honrados (?) na vida intima, descambam na vida publica em pantomineiros e sevandijas, capazes de toda a veniaga e toda a infâmia, da mentira a falsificação, da violência ao roubo, donde provém que na politica portuguesa sucedam, entre a indiferença geral, escândalos monstruosos, absolutamente inverosímeis no Limoeiro (...)

Um poder legislativo, esfregão de cozinha do executivo; este criado de quarto do moderador; e este, finalmente, tornado absoluto pela abdicação unânime do pais, e exercido ao acaso da herança, pelo primeiro que sai dum ventre, - como da roda duma lotaria.

A justiça ao arbítrio da Politica, torcendo-lhe a vara ao ponto de fazer dela saca-rolhas;

Dois partidos (...), sem ideias, sem planos, sem convicções, incapazes (...) vivendo ambos do mesmo utilitarismo céptico e pervertido, análogos nas palavras, idênticos nos actos, iguais um ao outro como duas metades do mesmo zero, e não se amalgando e fundindo, apesar disso, pela razão que alguém deu no parlamento, - de não caberem todos duma vez na mesma sala de jantar (...)"

Guerra Junqueiro, in "Pátria", escrito em 1896

Na estante:

Na estante: Para extirpar a demência 2

Na estante: Para extirpar a demência